domingo, fevereiro 04, 2007

Radar Khadafis

Aqui há tempos, o Prof. João Lobo Antunes referia duas éticas fundamentais na vida em democracia: a ética da liberdade e a ética da responsabilidade. Os portugueses, segundo Lobo Antunes, já assimilaram os princípios da primeira, mas estão ainda longe de assumir os deveres da segunda. Estou em total acordo.

Um dos aspectos da vida em sociedade onde mais se nota esta deficiência é a forma como nos comportamos nas estradas. Não me entendam mal, a minha posição relativamente a este assunto é bastante próxima da de Miguel Sousa Tavares: muitos acidentes resultam da má sinalização e construção das estradas e de um policiamento pouco pedagógico, mais preocupado em encher os bolsos do Estado do que propriamente a evitar que vidas se percam. Mas, sem escamotear a importância de qualquer um destes factores, é um facto que conduzimos de forma irresponsável.

O que não posso aceitar é que assumamos em definitivo essa irresponsabilidade e abdiquemos da nossa própria liberdade de fazer bem ou mal. Estou a falar, é claro, dos radares instalados pela Câmara Municipal de Lisboa em avenidas - a certas horas, parecem mais auto-estradas - que disparam automaticamente, sempre que um condutor ultrapassa o limite de velocidade. Ora, se disparam sempre e se, consequentemente, a multa vai sempre para casa, o infractor não tem qualquer hipótese de agir mal sem ser punido. Esta prática é, no meu entender, aterradora.

Dirão vocês que exagero, que se trata de mais um daqueles casos em que os fins justificam os meios. Não estou tão certo disso: com o inevitável progresso tecnológico, não tardará que esta ideia infernal da "punição automática" se aplique a outros aspectos da vida privada e em sociedade. Não há, também, câmaras de video em praticamente todas as artérias de qualquer metrópole? Será que falta assim tanto para que, por exemplo, as casas de cadastrados sejam controladas por olhos electrónicos, de forma a prevenir violência familiar e abusos sexuais de menores? Não existe já um chip que, implantado em crianças, permite aos pais controlar sempre a sua localização?

Já o disse aqui, os maiores ataques à nossa forma de viver virão de nós e da forma como, voluntariamente, escolheremos abdicar dos direitos e responsabilidades que nos competem.

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