sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Remix Ensemble


Apresento-vos uma das poucas fotografias conhecidas de Joyce Hatto, pianista britânica, falecida no ano passado, com 77 anos, depois de uma longa luta contra o cancro. A Sra. Hatto retirou-se do circuito internacional de concertos em 1976, segundo o seu marido, manager e produtor, W. Barrington-Coupe, por recear que os ataques súbitos de dor provocados pela doença prejudicassem a qualidade da sua performance. Depois de alguns anos de silêncio, recomeçou a gravar num estúdio caseiro. Quando os discos começaram a sair, há alguns anos, na pequena editora do marido, as críticas foram tonitruantes. A simples vastidão e diversidade da obra interpretada (mais de cem discos, de Scarlatti a Messiaen), sempre com brilhantismo, não deixava dúvidas: Joyce Hatto era uma das melhores pianistas britânicas de sempre.

E assim foi, até há coisa de duas semanas, quando um jornalista musical resolveu ouvir um disco de Hatto no seu I-pod e este reconheceu a faixa, não como uma interpretação da inglesa, mas do pianista húngaro Laszlo Simon. O resto é arqueologia pós-moderna para audiófilos, uma modalidade de duvidoso futuro. Ashkenazy, Bronfman, Grante, Muraro, Collard, entre outros, passaram a ser, além de músicos reputados, pequenos heterónimos da genial fraude discográfica Hatto/Coupe. Nalguns casos – não todos -, as gravações originais foram alteradas, para parecerem mais rápidas ou mais lentas, o que certamente prolongará por algum tempo decifração completa da charada.

Nada de novo? Pois. É só que, às vezes, perco o interesse na espécie humana e encontro nestes exemplos algo de muito inspirador (e que raramente vejo na música erudita actual): a capacidade de criar. Não admira que os críticos tenham sido enganados.

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