quarta-feira, janeiro 31, 2007

Concertos comentados

Para quem nunca foi a um concerto na Gulbenkian e quer saber como é, deixo esta divertida amostra gravada secretamente pelo crítico Henrique Silveira.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Aborto V - O Professor Fedorento

Quem acha que é exagero, veja isto e leia isto.

Um livro wendersiano


"Avant la lettre", bem entendido. Se havia obra a pedir uma leitura cinematográfica de Wim Wenders, era esta e não Ripley's Game, sem qualquer menosprezo pelo belíssimo Der Amerikanische Freund.
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The Tremor of Forgery é um romance existencialista que descreve o quotidiano de um homem total(itaria)mente livre: a posição moral de Ingham é, no mínimo, manobrável e, para todos os efeitos, um sujeito sem raízes ou laços emocionais fortes. The Passenger também anda por ali, a forma de contar uma história enquanto ela desliza pelo segundo plano (ou sentido). Um profundo desprezo pela resolução. A vida é, afinal, uma longa sala de espera.

domingo, janeiro 28, 2007

Onde é que eu já li isto?

Todo aquele que escreve é um ladrão. Tiago Galvão é uma espécie de Arsène Lupin.

O post inevitável



Miles Davis, John Coltrane, Wynton Kelly, Paul Chambers e James Cobb.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Aborto IV - o exemplo do estrangeiro

Estados Unidos, Suécia, Noruega, Holanda, Reino Unido, Japão, Itália, Alemanha, Finlândia, Dinamarca, Canadá, Bélgica, França e Austrália. O que têm estes países em comum? Uma lei do aborto mais liberal do que a portuguesa.
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No entanto, boa parte da opinião de direita, sempre atenta aos estandartes do progresso e da civilização, esqueceu-se repentinamente de todos eles. Veja-se o preclaro Pereira Coutinho (uma desilusão pessoal). O inefável João Miranda. O impagável Dr. Espada. O Professor chanfrado. E muitos outros.

Aborto III - TV Marcelo

Parece que escolhi mal o vídeo. Corre por aí outro - sem link, por motivos de higiene - no qual o Professor chanfrado diz que as mulheres portuguesas vão passar a fazer abortos pelos seguintes motivos:

-Um incómodo momentâneo;
-Uma mudança de residência;
-Uma depressão ligeira;
-Um estado de alma inconstante.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Aborto II - Uma Campanha Alegre

Por exemplo, Marcelo, jurista e acrobata circense nas horas vagas, é um dos que falam em "vida humana".

Apreciem os exercícios de contorcionismo que realiza para justificar o injustificável: o nosso Professor não abdica do aborto ilegal, inseguro e insalubre, com respectivas consequências penais. Porquê? Porque a lei que se prepara não contempla um Estado de dedo apontado, pronto a enxovalhar a mulher que aborta. Precioso.

Outro argumento, ausente desta pérola audiovisual, é desmontado pelo brilhante, são e lúcido Tiago Mendes, ex-Aforismos e Afins, no seu novo blog temático.

Aborto I - o argumento da "vida"

Se o embrião/feto se trata de uma vida humana ou, na versão sonsa, de "uma pessoa", a lei em vigor não pune o assassínio de deficientes e filhos de violadores. O Não precisa de rever a sua argumentação urgentemente de forma a resolver este contra-senso.

A Arte da Ilusão

Ainda a propósito do filme The Prestige, aqui ficam mais algumas notas da autoria de Jorge Palinhos.

Motto

«One must think like a hero to behave like a merely decent human being.»

May Sarton

domingo, janeiro 21, 2007

As vítimas da hipocrisia

Link obrigatório. Um post que diz mais do que eu alguma vez serei capaz de dizer sobre o meu voto no próximo referendo. Ainda assim, voltarei ao assunto.

A importância de ser livre

«No meu entender, a morte é o fim final, a eliminação total, da mesma forma que acredito que a Terra irá um dia deixar de existir, que o Universo vai deixar de existir, que o Cosmos desaparecerá da mesma forma, e no fim não vai haver nada de nada. E também creio que a vida é uma experiência sem sentido algum, triste e cheia de dor. Penso que a única coisa que nos resta fazer é descobrir a melhor maneira de viver e as melhores razões para nos mantermos vivos. A descoberta está nas escolhas morais que fazemos. O importante é não haver ilusões, porque, como sabemos, é muito mais fácil pensar que estamos a fazer as escolhas morais certas se acreditarmos que existe um paraíso e um inferno, ou se tivermos fé em Deus. Aí, acho que a vida é algo mais fácil. Vendemos a nós mesmos uma mercadoria moral, e é um encanto. Mas, sem essa bagagem, se mesmo assim formos capazes de fazer escolhas morais correctas, nesse momento essas mesmas escolhas ganham uma dignidade significante.»
Woody Allen, numa entrevista para o Expresso

sábado, janeiro 20, 2007

Café Expresso

A página de opinião dedicada a assuntos internacionais, por José Cutileiro e Miguel Monjardino, é do melhor que se faz nesta paróquia. Ideias claras, concisas e informativas.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Ossessione

Jessica Biel

Litost

«Litost é uma palavra checa intraduzível noutras línguas. A primeira sílaba, que se pronuncia longa e acentuada, faz lembrar o queixume de um cão abandonado. Para o significado da palavra, procuro inutilmente um equivalente noutras línguas, se bem que dificilmente conceba que seja possível compreender a alma humana sem ela.
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Vou dar um exemplo: o estudante tomava banho com sua amiga, também estudante, no rio. A moça era desportista, mas ele, ele nadava muito mal. Não sabia respirar debaixo de água, nadava lentamente, a cabeça nervosamente erguida acima da superfície. A estudante estava perdidamente apaixonada por ele e era de tal forma delicada que nadava quase tão devagar quanto ele. Mas como o horário de banho estava quase a acabar, ela quis dar por um instante livre curso a seu instinto desportivo e dirigiu-se, num crawl rápido, para a margem oposta. O estudante fez um esforço para nadar mais depressa, mas engoliu água. Sentiu-se diminuído, desnudado na sua inferioridade física, e sentiu a litost. Lembrou-se de sua infância doentia, sem exercícios físicos e sem amigos, sob o olhar excessivamente afetuoso da mãe e desesperou de si próprio e da sua vida. Ao regressarem por uma vereda, iam silenciosos. Ferido e humilhado, sentia um irresistível desejo de bater nela. "O que é que te deu?", perguntou ela, e ele censurou-a: ela sabia muito bem que havia corrente perto da outra margem, tinha-a proibido de nadar daquele lado porque se arriscava a afogar-se e deu-lhe uma bofetada. A moça começou a chorar e ele, ao ver as lágrimas sobre o rosto, sentiu-se cheio de compaixão por ela, tomou-a nos braços e sua litost dissipou-se.
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Ou então um outro acontecimento da infância do estudante: os pais obrigaram-no a ter lições de violino. Ele não era muito dotado e o professor interrompia-o com uma voz fria e insuportável, apontando-lhe os erros. Sentia-se humilhado e tinha vontade de chorar. Mas, em vez de tentar tocar melhor e sem erros, enganava-se deliberadamente, a voz do professor ficava ainda mais insuportável e dura, e ele mergulhava cada vez mais na sua litost.
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Então o que é a litost? A litost é um estado tormentoso que nasce do espectáculo de nossa própria miséria repentinamente descoberta.
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Entre os remédios habituais contra nossa própria miséria, há o amor. Porque aquele que é amado de maneira absoluta não pode ser miserável. Todas as fraquezas são resgatadas pelo olhar mágico do amor, em que até a natação desajeitada, com a cabeça erguida acima da superfície da água, se pode tornar encantadora.
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O absoluto do amor é na realidade um desejo de identificação absoluta: é preciso que a mulher que amamos nade tão lentamente quanto nós, é preciso que ela não tenha um passado que só a ela pertença e do qual possua recordações felizes. Mas quando a ilusão da identidade absoluta se quebra (a jovem recorda-se com alegria de seu passado ou então nada depressa), o amor torna-se uma fonte permanente do grande tormento que chamamos litost.
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Quem possui uma experiência profunda da comum imperfeição do homem está relativamente a salvo dos choques da litost. O espetáculo de sua própria miséria torna-se-lhe uma coisa banal e sem interesse. A litost é, portanto, um traço sintomático de inexperiência. É um dos adornos da juventude

Milan Kundera, O Livro do Riso e do Esquecimento

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Hoje acordei assim,

com um marcador de livro na boca.

domingo, janeiro 14, 2007

Alice do outro lado do espelho

Alice Coltrane, 1937-2007

Resolver o problema iraquiano em quinze linhas

Parece absurdo. E é. Contudo, lembra o Daniel Oliveira, há candidatos americanos à presidência apostados em resolvê-lo numa frase, curta em palavras, longa em irresponsabilidade. Mas não há só um Lado A e um Lado B da mesma cassete. De acordo com este artigo da New Yorker, a política externa parece ser um assunto que divide os candidatos democratas (putativos e assumidos).
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Os Estados Unidos destruíram um estado pobre, iníquo e sem liberdade. Ainda assim, um estado. É sua obrigação deixá-lo com um mínimo de sustentabilidade. Devem-no aos iraquianos, por razões óbvias, e ao mundo, mais perigoso com o desequilíbrio de forças regional no Médio Oriente.
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No entanto, a postura responsável sobre a questão iraquiana colide com a longa campanha eleitoral para as presidenciais. Ironia cruel: a desastrosa ideia de invadir o Iraque manteve Bush na Casa Branca mas, agora, que a permanência das tropas no país é mais importante do que nunca, o discurso popular é o do abandono.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Santa paciência

Proponho a canonização imediata de Carlos Abreu Amorim e Eduardo Nogueira Pinto, pelo cavalheirismo demonstrado nas réplicas aos mais torpes argumentos.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Alhambra

Pátio dos Leões

terça-feira, janeiro 09, 2007

Tricky Dick*

Morreu em solidão, no quarto de um hotel em Paris, com 24 anos, vítima de uma overdose de heroína.
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Quantas vezes ouvimos a história no folclore do jazz? Demasiadas. É uma morte quase vulgar entre os seus intérpretes, sobretudo durante os anos 50 e 60. Mas este talento excepcional não merece ser desvalorizado como um mero interesse para aficionados. As suas composições revelam um criador de música impudente, livre e humorada. Que as (raras) gravações da música de Dick Twardzik sejam ouvidas até à última nota, com a máxima atenção.

Gravado na casa Van Gelder, a 27 de Outubro de 1954.
Albuquerque Social Swim
A Crutch for the Crab

*agradeço o título a estes
amigos.

domingo, janeiro 07, 2007

O dilema do homem livre

Até que ponto devemos sacrificar os nossos valores quando o que está em causa é a sua própria sobrevivência? Não vou fazer analogias entre esta cena de "Life and Death of Colonel Blimp" (filme a certos títulos seminal, a outros estéril) e o presente estado das coisas: o assunto é demasiado grave para brincarmos às diferenças. Julgo, aliás, que os maiores ataques à nossa forma de viver virão de nós e da forma como, voluntariamente, escolheremos abdicar dos direitos e responsabilidades que nos competem.
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Mas divago. Voltemos à obra-prima de Powell e Pressburger, aqui interpretada por Anton Walbrook (o alemão Theodor Kretschmar-Schuldorff) e Roger Livesey (no papel do oficial britânico Clive Candy).

Como sabemos, a História seguiu o caminho de Kretschmar-Schuldorff - Dresden, Hiroshima, Nagasaki, etc. Os fins justificam os meios? Tal como Clive Candy, inclino-me sempre para rejeitar esta máxima. E, no entanto, a resposta racional parece ser "depende dos fins." Esta é a ambiguidade sangrenta que nos acossa.

sábado, janeiro 06, 2007

Vespere promittunt multi quod mane recusant

Um disco de Mal Waldron, um monólogo de Jay Leno, um post desnecessário no blog, uma crónica de Pereira Coutinho, um filme de Ingmar Bergman. Lá se foi o "exercício físico matinal."

Os Filmes de 2006

Devo estar a ficar velho. Boa parte dos meus filmes preferidos deste ano foram realizados por artistas que já se podem considerar clássicos, ainda que continuem a fazer cinema diferente e marcadamente seu. Estou a falar de Spielberg, paradoxalmente, mais depurado e complexo, de Spike Lee, autor de uma encomenda tão deliciosa quanto inesperada, de Scorsese, regressado a território familiar após dois filmes menos conseguidos, de Woody Allen, finalmente a sacudir o torpor artístico dos últimos anos, de Michael Mann, autor da melhor poesia visual para multiplexes, e, sobretudo, de Cronenberg, cujo filme se devia intitular "A Theory of Everything."
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Resta pouco: a bravíssima tentativa (nem sempre conseguida) do argumentista/realizador de Syriana de tratar o tema do petróleo da forma que merece; a dor surda que me deu ver "Ninguém Sabe", o filme de Koreeda.
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Ou o prazer de ver outro clássico, Mallick, naquela forma de filmar que, tal como a de John Ford, nos parece a única possível. O belíssimo "Marie Antoinette", de Sofia Coppola, parece usar a mesma gramática e deixou-me igualmente apaixonado.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Só está bem a dizer mal

Escrevo melhor quando tenho uma opinião negativa da matéria em causa. Espero mudar em 2007, mas não prometo.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Pormenores significantes

A história é simples. Na semana passada, o Ministério da Saúde enviou uma circular recomendando a adopção de sistemas electrónicos de controlo de assiduidade. Medida lógica, transparente e, arrisco dizer, saudável? Não, uma decisão «lamentável, imprópria e populista.» É assim que a define o inefável bastonário da Ordem dos Médicos, para, logo a seguir, descrever, sem sombra de populismo, o centro da questão: os hospitais vão ser «obrigados a comprar relógios quando muitas vezes não têm verba para adquirir medicamentos.»
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E, como o ridículo e o despudor não matam, o excelentíssimo bastonário larga ainda outra pérola surrealista: «É uma medida que ofende os médicos», até porque, como é do conhecimento popular, «se um elemento da equipa chegar atrasado, acaba por ser banido pelos restantes colegas.» Que levante o dedo quem nunca viu um médico votado ao ostracismo, longe do seu ninho corporativo, por esta ou outras razões!
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Já o colega dos enfermeiros, Sr. José Azevedo, é apologista de um humor mais contido. Considera a medida um «gasto inútil e desnecessário», salientando que a «assinatura da pessoa é o documento mais fiável». De acordo, é fiável. Fiável e intemporal. Por exemplo, eu assino hoje como assinava há um mês. Num livro de ponto. Por exemplo.